Dos trabalhos manuais no Liceu Português (1922)

JAIME MARTINS BARATA
 
DOS TRABALHOS MANUAIS NO LICEU PORTUGUÊS
 
DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO EXAME DE ESTADO
NA ESCOLA NORMAL SUPERIOR DE LISBOA
1922
 
            Os modernos programas de instrução incluem tanto na Escola primaria como na secundaria, o ensino de Trabalhos Manuais educativos.
            Muito se tem falado já entre nós deste ensino, mas pouco o conhecem e raros lhe dão sobretudo a importância que ele merece. Pouco se tem feito realmente no sentido de utilizar o admirável meio de educação que ele encerra.
            No campo das realizações é de inteira justiça destacar desde já o nome do professor senhor Marques Leitão, que organizou no Colégio Militar, pela primeira vez no nosso país uma instalação modelar de Trabalhos Manuais, com­preendendo superiormente a alta função do seu ensino.
            Sabemos que uma comissão nomeada pelo Ministério de Instrução Publica e presidida pelo referido professor, incum­bida de organizar as bases para o ensino dos Trabalhos Ma­nuais nos Liceus, já deu conta da sua missão. Sentimos que as conclusões dessa comissão não sejam conhecidas porque seriam um elemento proveitoso para o nosso estudo.
            Outros professores em diferentes graus de ensino têm produzido interessantes estudos, cada um isolado no seu meio, não atingindo um processo ou método que possa ser apreciado pelos seus resultados. Em todo o caso são iniciativas que justo é referir, e bom seria que pudessem constituir uma base orientadora deste ensino.
            Estão neste caso os nomes de Palyart Ferreira, o falecido professor Santos Peixoto, Meyreles, e outros.
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            Pretendemos neste trabalho encarar duma forma geral o problema dos Trabalhos Manuais no Liceu Português, citando as bases que reputamos fundamentais para que do seu estabelecimento alguma coisa resulte de útil.
            Intimamente ligados ao Desenho — basta esse facto para de todo o modo justificar o tema escolhido para esta ligeira dissertação.
 
 
 
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            Todo o ensino, seja qual for o seu grau — deve tender ao desenvolvimento do indivíduo, tornando-o socialmente eficaz.
            O que caracteriza a Escola de hoje é a criação do maior numero de agentes sociais — é, por assim dizer, a democratização do ensino. A Escola não pode nem deve preparar para a vida do passado ou para as utopias do futuro. Deve ser de realizações práticas e viáveis.
            O estudo directo das realidades, olhando à actividade in­telectual e manual do educando — pela observação e pela experiência — é a educação natural, a moderna — aquela que constitui a solução pedagógica do momento.
            No ensino assim compreendido, os Trabalhos Manuais têm um papel preponderante e decisivo. Foi com essa compreensão que apareceram os Trabalhos Manuais educativos.
            Procuraremos ocupar-nos principalmente dos Trabalhos Manuais na Instrução Secundária. Esta tem já a importância na maioria dos casos educativos duma instrução possivel­mente definitiva. A opinião de certo escritor francês, que não dava importância à Instrução primária — fundamento de todo o ensino — só se compreende no sentido de lhe não achar um carácter de instrução completa e fechada por si.
            Toda a instrução moderna se serve de vários elementos tendentes a formar proporcional e racionalmente o carácter, o espírito, e o físico do aluno.
            Pode dizer-se assim que a Escola moderna é caracterizada por relacionar todas as matérias de ensino, em vez de as expor isoladamente.
            Um dos agentes de relacionação mais importante — se não o mais poderoso — são os Trabalhos Manuais porque eles concretizam e completam a educação da mão e da inte­ligência.
            Os Trabalhos Manuais, dentro do ensino, são um factor de importância extrema, pois contribuem não só para o desenvolvimento físico, como para o mental, pelo exercício das faculdades de relacionação — pelas faculdades reflexivas.
            O ensino que toma como base a memória e como meios de assimilação só a vista e o ouvido, deve desaparecer para dar lugar aquele que se serve de maior numero de sentidos, e que sem desprezar a memória dá importância maior à instrução e às faculdades reflexivas — ao raciocínio.
            É nesta orientação que se manifesta o sábio Einstein.
            Já há três séculos se pensava no desprezo a que era vo­tada a educação da mão. Mas apesar de todas as iniciativas posteriores, esse desprezo tem-se mantido.
            Com efeito, só muito recentemente se começaram a efe­ctivar as tentativas há muito preconizadas, para se dar à actividade manual o desenvolvimento a que tem direito. A vista, o ouvido, o olfacto, são sentidos preciosíssimos, mas nada valeriam se não fosse a mão que executa, a mão que fabrica, a mão, que deu origem a todos os trabalhos do ho­mem, que em todos eles patenteia a sua acção.
            Como elementos de desenvolvimento físico, os Trabalhos Manuais são, com o Desenho, os melhores para se atingir o domínio da mão, a obediência quase automática desse instrumento do cérebro.
            Não se tome isto porém como um fim exclusivo. Não é só esse o objectivo dos Trabalhos Manuais escolares. Será talvez o objectivo inicial quando aplicados às artes úteis à indústria; mas os Trabalhos Manuais na educação geral, os Trabalhos Manuais educativos não são profissionais. Há entre eles uma grande diferença. Os primeiros são um factor do desenvolvimento da mão, um auxílio precioso na inteligência e um meio experimental de todas as disciplinas escolares, — os outros limitam-se a um fim que pertence à escola de aprendizagem.
            «Os Trabalhos Manuais não são por forma alguma o iní­cio duma aprendizagem — não visam uma determinada pro­fissão. Constituem um ensino experimental, cujo papel essen­cial é auxiliar os outros ensinos, tornando claras, evidentes e precisas as noções que eles expõem».
            São estes os termos em que Aimé Bouvier se refere aos Trabalhos Manuais na instrução secundária — os que neste momento mais nos interessam.
            Estes princípios, que se tomam como modernos não são mais do que ideias antigas que já em 1882 foram resumidas nas seguintes e criteriosas palavras da grande professor Adolfo Coelho, referindo-se ao ensino geral — primário e secundário:
            «O ensino geral não tem em mira habilitar os indivíduos para uma carreira particular, para uma profissão: busca dar às gerações instrução e educação comuns e tão completas quanto possível for. O ensino profissional, ao contrario, tem em mira preparar os indivíduos para carreiras particulares, para profissões mais ou menos determinadas, ou pelo menos, para classes de profissões».
            Infelizmente nem sempre se têm seguido os ensinamentos destas preciosas palavras. Tem-se dado por vezes e em várias escolas, uma orientação errada ao ensino dos Traba­lhos Manuais modificando o seu carácter, desvirtuando os seus fins.
            Já se têm visto em vários estabelecimentos de ensino ex­posições de objectos feitos pelos alunos nas suas aulas de Trabalhos Manuais, certamens que têm todo o carácter de exposições de habilidosos, que melhor ou pior fazem uns objectos, talvez muito interessantes, mas onde se não vê uma ideia superior ou uma directriz. Em vez de Trabalhos Ma­nuais educativos aparecem-nos produções de amador em horas de ócio, com trabalhos elementares de encadernador em cartão, em madeira trabalhos simples de marceneiro, em ferro trabalhos ingénuos de serralheiro.
            É necessário que isto se não dê, que se compreenda que assim como o Desenho e a Música no ensino geral não pre­tendem criar pintores nem músicos, nem a ginástica fazer acrobatas ou lutadores, também os Trabalhos Manuais não pretendem formar operários mais ou menos hábeis. — Todas estas disciplinas se relacionam, todas visam o mesmo fim: o de tornar o aluno o mais possível são, vigoroso, inteligente e confiante em si — o de formar um homem útil — conhecendo e sabendo inteligentemente servir-se da sua força, dos seus sentidos, da sua instrução.
 
            Os Trabalhos Manuais que se realizam em ateliers são de maior importância nos grandes centros de população. Mas nas escolas de província, em que o homem está em contacto mais íntimo com a natureza, deve haver uma preponde­rância nos Trabalhos agrícolas, e noutros que atinjam a sua feição regional.
            Na instrução primária, seja em que região for, não se deve de forma alguma diminuir o ensino dos Trabalhos de jardinagem, fonte de mil conhecimentos da natureza, indispensáveis, e de aprendizagem e fixação fácil — Trabalhos Manuais de facto.
            Os Trabalhos Manuais que se executam em ateliers precisam antes de tudo — de um meio apropriado, de uma sala ampla, cheia de ar e de luz, sem o aspecto complicado, sujo, antipático da oficina — antes com um aspecto convidativo, onde o aluno entre bem disposto e permaneça num relativo conforto. Nessa casa que não terá para ele o ar pesado e desagradável que quase sempre encontra nas actuais salas de aulas, serão executados os Trabalhos Manuais empregando três materiais — papel, madeira e metal.
            Para a execução destes trabalhos são necessárias ferramentas. O critério da escolha do ferramental é o mesmo que o da distribuição pelo curso dos três materiais, o critério da resistência do aluno, tomando para base a lei do crescimento, lei fundamental, de enorme importância a atender.
            De facto durante o ensino secundário passa o aluno pelo período mais grave do crescimento, o período mais critico da evolução física.
            é necessário que o ferramental seja escolhido de forma a estar em proporção com o estorço que o discípulo pode despender na idade em que se encontra. E assim nos materiais se deve começar pelo papel e passar sucessivamente à madeira e ao ferro numa escala ascendente paralela ao aumento de resistência e ao desenvolvimento do aluno.
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            Os Trabalhos Manuais na instrução primaria não têm o mesmo carácter que na Instrução secundaria. Aqueles são principalmente aliados do ar livre, dos jogos — da jardina­gem, das colecções de plantas etc.
            Os Trabalhos Manuais de atelier têm como aqueles — com os conhecimentos geométricos intuitivos, inconscientes, por assim dizer, das constatações geométricas pelo chama­do processo taquimétrico, um fim semelhante ao do desenho — o desenvolvimento, o apuramento do sentido estético, e sempre, através de todo esse fim que é preciso obstinada­mente procurar atingir — a sujeição absoluta da mão ao cérebro.
            Como diz René Leblanc falando do Trabalho Manual primário: «é um conjunto de exercícios que exigem para a sua boa execução o concurso do olho, da mão e do cérebro, e que tem principalmente por fim fazer a educação dos dois primeiros órgãos sob a discussão do terceiro».
            Para atingir esse fim — o desenvolvimento da mão e a educação da vista — o aluno executará trabalhos simples, que não vão além do papel: dobragem, entrelaçamentos, combi­nações de cores, etc.
            A criança faz esses trabalhos com prazer. E segundo Spencer deve antes de mais nada facultar-se ao aluno o mexer, o combinar cores, porque isso o encanta mais. Mas não só as cores; a realização dum entrelaçamento, uma dobragem que lhe faz surgir estrelas, polígonos vários, figuras decora­tivas, etc., são exercícios que longe de o aborrecerem, o alegram e o satisfazem.
            Atendendo à sua função mental, os Trabalhos Manuais na instrução primária devem consistir em aplicações comportáveis no âmbito dessa escola, de noções elementares de matemática e das ciências, contribuindo assim para o desenvolvimento da actividade, dos espíritos de observação e percepção e das faculdades intuitivas. A constatação rápida de propriedades geométricas pela taquimetria, de verdades científicas por um processo concreto, satisfará o espirito do aluno e facilitará a tarefa do professor, que mais tarde, pelo raciocínio demonstrará com rigor essas verdades já conhe­cidas do aluno.
            E assim, em vez de prelecções áridas e abstratas, incom­patíveis com o seu cérebro, são os Trabalhos Manuais que insensivelmente lhes infiltram os conhecimentos que lhe convêm, conjuntamente com o gosto pelo método, pela ordem, pelo aceio (sentido estético primário), a disciplina, a satisfação do trabalho.
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            No ensino liceal, os Trabalhos Manuais têm uma função talvez não mais larga, mas aparentemente mais irradiativa.
            O aluno, como na Instrução Primaria também relaciona todas as disciplinas, integra-as todas nos Trabalhos Manuais. Mas enquanto que na Escola Primaria o faz por assim dizer sem consciência, aqui sente bem essa relacionação.
            Todas as disciplinas se ligam umas com as outras. Todas são elementos que se juntam olhando a um fim comum. Os mestres devem somar os seus esforços no mesmo sentido — e devem conhecer o aluno simultaneamente como aluno de todas as disciplinas. É esse o espírito do ensino por classes — o ensino de conjunto.
            Assim a aula de Trabalhos Manuais não é independente das outras. Todas se ligam, mas pode dizer-se que mais do que em nenhuma outra, todas se integram nos Trabalhos Manuais — e estes, mais do que a nenhuma outra, se ligam ao Desenho.
            Os Trabalhos Manuais, diz Pasquali, ...«constituem um ensino concretizado, prático, cujo papel é auxiliar os outros ensinos»...
            A ligação dos Trabalhos Manuais com a geometria, com a matemática em geral e o auxílio que são susceptíveis de lhes prestar, são evidentes.
            Com a Física, com a geografia, com a Historia Natural, são íntimas as suas relações. O Dr. Sharg, eminente pedagogo suíço, preconiza as lições duplas destas disciplinas relacionadas com os Trabalhos Manuais baseando-se no facto de ser a actividade o instinto mais fecundo da criança. Aquelas disciplinas perderão por completo o aspecto maciço com que porventura o aluno as veja; o ensino, passando a fazer-se por intermédio de mais um sentido — o tacto — atrai mais, e menos cansa o espírito.
            Para o estudo das línguas, a conversação pode incidir trabalhos do aluno, que assim se interessará mais, falando de objectos que executou.
 
            O curso do liceu vai normalmente dos 10 aos 17 anos do aluno. Está dentro destes limites o período mais grave, aquele que maiores perturbações trás à vida fisiológica do aluno — e consequentemente à sua vida mental: o período da transição da adolescência para a puberdade.
            É necessário atender a isto nos programas do ensino secundário; é necessário olhar esse perigo e não exigir do aluno nesse período mais do que aquilo que ele pode dar.
            Em toda a actividade do ensino se deve ponderar esse facto e bem assim a evolução do crescimento mesmo em períodos menos críticos.
            Nos Trabalhos Manuais é necessário igualmente levar esses fenómenos em linha de conta. Os exercícios devem ser graduados e metodizados pelo curso de forma a estarem bem proporcionados às possibilidades físicas e mentais do discípulo.
            O ensino começará por trabalhos em cartão. Se consi­derarmos três ciclos no curso — será todo o primeiro ciclo ocupado por trabalhos em cartão, o segunda por cartão, em seguida arame de ferro e depois madeira, e no último, o metal — o ferro.
            À medida que se vai adestrando nesse material o aluno vai desejando o imediato. Um aluno dois anos a trabalhar em cartão, chega a aborrecer-se e a desejar trabalhar em madeira. É necessário dar-lhe novas ideias, sugerir-lhe no­vas combinações, fazer aparecer no seu espírito projectos novos — e logo ele voltará ao trabalho com o mesmo entusiasmo do começo.
            Na passagem do cartão para a madeira pode intercalar-se o ferro — sob a forma de arame. É não só um material que combinado com o cartão é susceptível de trabalhos muito interessantes, como uma transição feliz entre o esfor­ço pequeno do trabalho em catão e o esforço mais consi­derável, do trabalho em madeira.
            Só nas últimas classes se entrará francamente com o ferro. Só então o aluno trabalhará com todos os materiais.
 
            Tudo o que nos Trabalhos Manuais tem carácter pro­fissional — penoso, violento talvez e sem interesse, deve ser afastado da Escola. Assim a madeira não é afeiçoada nem aplainada pelo aluno; O ferro não é por ele reduzido a varões nem a barras. Esses materiais são dados ao aluno pre­parados já, de forma a sofrerem nas mãos dele apenas um trabalho que o interesse.
 
            Os trabalhos em madeira ou em ferro, antes de serem executados, deverão ser desenhados — em grandeza verda­deira ou em escala — pelo aluno. É ele quem faz o projecto, ao qual depois se deve cingir. Assim em vez de copiar, com a inteligência inerte ou pelo menos alheia, o discípulo toma iniciativas, adquire o habito de criar, de investigar — e o Trabalho Manual em vez de ser um meio, como tantos outros para ele inconscientemente estiolar o espirito, torna-se um pretexto para ele desenvolver e apurar a sua inteligência.
 
            Tem-se discutido se o Trabalho Manual escolar deve ter ou não um caracter utilitarista, prático. Achamos que dar aos Trabalhos Manuais educativos um caracter exclusiva­mente utilitarista, é desvirtuar o seu objectivo — é aproxi­má-lo do profissionalismo. Mas achamos também que o aluno trabalha com mais interesse num objecto em que veja al­guma utilidade prática, uma utilidade real e palpável, do que naquele em que a utilidade seja meramente pedagógica — e por consequência não tão aparente.
            Trabalha com mais prazer na factura duma caixa, por exem­plo, do que na execução dos seis rectângulos que a com­põem, considerados isoladamente.
            E para que o Trabalho Manual na Escola atinja integralmente o seu objectivo é absolutamente necessário que o aluno o execute com prazer e interesse.
 
 
 
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            Quem primeiro deu à instrução a verdadeira importân­cia que tem no ensino, quem descobriu a sua alta função pedagógica foi Coménius — João Amos, de Komna.
            Foi ele o pai de toda a educação experimental, o preconizador do ensino concretizado.
            Padre Protestante e Pedagogo, a estas missões dedicou a sua vida e o seu espírito
            Coménius escreveu várias obras sobre o ensino, numa das quais existia já uma inovação, que depois em todas prega: o estudo da língua acompanhado da exemplificação dos significados das palavras, mostrando os objectos a que elas se referem, e na sua falta a sua representação por estampas.
            Começava assim o estudo a ser mais racional, mais sólido, mais fácil e mais interessante para o aluno. Era o ensino intuitivo.
            É uma caraterística já da obra de Coménius e foi o que principalmente o celebrizou. Embora não atingisse o desen­volvimento que posteriormente lhe deu Pestalozzi — que foi também quem lhe deu o nome — manifesta-se já em Coménius, importante, interessante e basilar no ensino — a intuição.
            Coménius quer que a intuição vá desde o nascimento até aos 24 anos, continua e constante.
            Por isso, e para a aproveitar o melhor possível no ensino, divide este em quatro partes — cada uma de 6 anos:
            A Escola maternal, a Escola vernácula, a Escola latina e a Academia.
            A primeira, comum aos dois sexos, era o Lar. A mestra era a Mãe, que suavemente e directamente iria iniciando os filhos no conhecimento das coisas — rudimentos de física e de geometria pela observação dos objectos caseiros, de geografia pelo estudo da região, de contas, de historia, etc.
            Na Escola vernácula o desenvolvimento daquelas maté­rias acentua-se e caracteriza-se, na imediata de igual modo, com predomínio do latim e na última esse desenvolvimento é máximo.
            Eram estes os estudos que constituem a Pansofia, que Coménius expõe na sua «Didactica magna».
            A ideia principal de Coménius é que no ensino devemos seguir o processo que a Natureza segue nas suas obras.
            Na Natureza há épocas determinadas para a Sementeira, para o crescimento, para a aparição da flor e depois do fruto e finalmente para a colheita.
            Na criança analogamente devemos procurar a época pró­pria do aparecimento e do crescimento das faculdades para o ensino ser natural.
            Por isso Coménius começava pela educação dos sentidos, depois, da memória e por último, da inteligência. Deu ex­trema importância à educação sensorial, porque, segundo um aforismo grego «nada existe na nossa inteligência que não tenha passado pelos nossos sentidos».
            O ensino, sempre por intuições sensíveis de começo, era efectuado em comum. A escola devia ser clara e saudável. O aluno era um colaborador do mestre, tinha na aula um papel activo. O método empregado era o velho método de Sócrates, o método heurístico.
 
            As teorias e as ideias de Coménius tiveram um sucesso enorme em toda a Europa. Foi disputado para organizar e dirigir escolas de vários países; mas pela sua vida agitada só conseguiu estabelecer algumas na Suécia e na Alemanha — e as suas doutrinas, apesar do seu prestígio e da sua fama, só numa pequena parte do Norte da Europa fructificaram e ficaram latentes.
 
            Rousseau foi quem depois deu à educação dos sentidos a importância que presentemente se lhe reconhece. Foi quem viu no desenho escolar um papel educativo e não um fim profissional.
            Diz ele no «Emílio»:
            «Não se pode julgar bem da extensão e da grandeza dos corpos não se tendo aprendido a conhecer as suas figuras e a imitá-las...
            ...«As crianças, que gostam muito de imitar, fazem to­das por desenhar; desejava que meu filho cultivasse esta arte, não precisamente pela própria arte, mas para obter certeza de olhar e mão flexível. E em geral importa muito pouco que ele saiba este ou aquele exercício, contanto que adquira a perspicácia dos sentidos e o bom hábito do corpo, que só se ganha com este exercício».
            Nestas palavras preciosas está bem clara a ideia de Rousseau, a ideia da moderna pedagogia, a aliança e o equilí­brio entre o desenvolvimento dos vários órgãos intelectuais e físicos dos indivíduos.
 
            A orientação de Pestalozzi tem com esta e com a de Coménius bastantes pontos de contacto.
            Dá Pestalozzi, como Coménius, mais ainda do que ele, importância enorme a essa faculdade a que chama Intuição — à rápida apreensão duma ideia ou inconscientemente ou quase sem esforço, pela clareza e simplicidade dum exemplo.
            Dá como Rousseau um lugar primordial ao Desenho na educação manual. Mas enquanto este o separa em absoluto da geometria, considerando o Desenho como um exercício conjunto da mão e do cérebro e da geometria uma ciência inteiramente independente das outras, Pestalozzi pelo contrário liga essas duas disciplinas, iniciando os seus exercí­cios de desenvolvimento manual, com o traçado de figuras geo­métricas, que nem sempre existem rigorosas na Natureza.
            Só depois do discípulo ter a mão educada, só quando o seu espírito estiver tão desenvolvido que tenha a consciência clara da separação entre o elemento matemático da for­ma e os elementos real e estético (cujo conhecimento lenta e insensivelmente se lhe infiltrou) só então se iniciará o es­tudo do desenho à mão livre e dos Trabalhos Manuais correspondentes a esse desenvolvimento.
            Assim como as ideias de Coménius estiveram no esque­cimento por dois séculos, assim estariam talvez as de Pestalozzi se Froebel não lhes desse realização.
            Compatriota e discípulo de Pestalozzi, Froebel pôs em prática as suas doutrinas, metodizando-as e ampliando-as.
            Criou os jardins de infância, em que as crianças apren­dem as lições de coisas num meio sem artifícios, em contacto com a Natureza. A jardinagem, as colecções de coisas — de insectos, de folhas, etc. —  e todas as series de exerc­ícios manuais de dobragens, encanastramentos, entrelaça­mentos — em papel de cores, em palha delgada, etc. — são com a língua mãe, a base do ensino froebeliano.
 
 
 
            As ideias do Coménius só foram postas em prática sé­culos depois da sua morte, por Uno Cygnaens, na Finlândia. Foi este quem organizou com método e bases científicas os primeiros Trabalhos Manuais Educativos  — o Sloid Finlandês — ou seja a metodização do Trabalho domestico da Fin­lândia.
            Uno Cygnaens quer que o Sloid não sirva para aprender ofícios — mas para o desenvolvimento da actividade manual pela produção de objectos úteis de aplicação domés­tica. Quer que o Trabalho Manual ocupe entre as outras disciplinas um lugar de igual importância e que seja consi­derado como um trabalho verdadeiro e não como um passa­tempo ou como um jogo. Quer que o ensino seja ministrado por um professor de preparação especial e não por um operário. Quer ainda que para evitar a dispersão de forças, se exerça o trabalho do Sloid somente em madeira  — e que seja executado com o maior rigor, com a máxima precisão.
            São estes os princípios básicos do Sloid Finlandês, que depois irradiou para a Suécia, onde se desenvolveu e celebrizou.
 
            O Sloid Sueco era o trabalho do Lar — o trabalho ma­nual doméstico, o trabalho tradicional feito em família, no carinho e no conforto da casa, mantendo assim, com o culto da tradição, íntegras as qualidades e as virtudes do povo.
            Mas veio o progresso, a industrialização de todas as manufacturas — e o Sloid foi fortemente abalado.
            Aqueles trabalhos de utilidade doméstica, também come­çaram a ser produzidos mecanicamente, invadindo os mercados. E o Sloid começou a não ter razão de existência, a per­der-se, a tender para o seu desaparecimento.
            Desaparecendo o Sloid com ele eliminava-se um elemento social de enorme importância, pelas suas altas funções morais.
            Um comerciante rico, retirado dos negócios teve a ideia grandiosa de querer manter a obra do lar Sueco, construindo um grande Lar — Uma Escola — cujo fim primordial era o de substituir o Sloid desaparecido. Aos trabalhos do Sloid popular juntou as regras pedagógicas e científicas do Sloid finlandês, formando assim, não só um sistema moderno de trabalhos, mas um sistema, um estilo pedagógico moderno.     Esse benemérito comerciante, August Abrahanson, encontrou em seu sobrinho Otto Salomon um indispensável auxiliar que superiormente dirigiu e organizou as bases científicas definitivas em que assentou o sistema, fundado em Naas a 1ª escola do Sloid Sueco.
            As escolas de Sloid para rapazes e para raparigas foram sucessivamente organizadas e aperfeiçoadas.
            Começou então a espalhar-se na Suécia o trabalho do Sloid escolar, a vulgarizar-se o seu ensino na Escola primá­ria, reconhecendo-se a necessidade de professores convenientemente habilitados. Então a Escola de Naas criou para esse fim uma secção anexa, que depois se desenvolveu e originou a moderna Escola Normal de Sloid de Naas.
            Nesta Escola os trabalhos são metodizados em séries, es­pecializadas para os diversos graus de ensino. Ultimamente foi abandonado o carácter exclusivo da madeira nos traba­lhos; já se trabalha em cartão e em metal, mas sempre com o mesmo sentimento pedagógico, com a mesma rigorosa perfeição.
            Esta severidade do Sloid, que põe sempre acima da quantidade a qualidade do trabalho produzido, foi e é ainda uma das principais características da Escola de Naas.
            Espalhadas regularmente pelo curso, há além das lições teóricas, conferências que, como aquelas são feitas, sempre que é possível ao ar livre. As lições teóricas são aprofundadas pelos alunos em discussões.
            Durante o curso organizam-se festas em que são exibidos os jogos ao ar livre. Todos os dias se pratica a cultura física e o canto coral interrompe as lições, quer teóricas quer práticas.
            O Desenho, tanto o geométrico como o desenho à mão livre, está fundamentalmente ligado ao Sloid.
           
            Duma forma geral, o que caracteriza a Escola de Naas é uma correctíssima instrução conjuntamente intelectual e física, aliada a um ambiente moral cheio de pureza, de ale­gria, de amor pela vida. Pelas cxcepcionais condições em que se encontra esta Escola, situada num dos pontos mais belos do País, atraente, confortável, com os seus jogos, com a ginástica, com a música, com as lições teóricas e com os Trabalhos Manuais atinge por completo, integralmente, a alta função educativa para que foi criada.
 
 
            Muitos países têm mandado professores cursar a Escota Normal de Sloid de Naas — e alguns têm adaptado o sis­tema às suas escolas.
 
            Em Inglaterra George Hudson e na Rússia Dela-Voss têm seguido, modificando-a levemente, a orientação do Sloid sueco.
 
            A Alemanha não tem sido dos países que mais directamente se têm interessado pelos Trabalhos Manuais na Es­cola. E isso porque eles já se encontram no espírito do en­sino geral alemão.
 
            A América, com as teorias de Dewey e de Tadd — o ini­ciador da ambidextridade — apesar da concorrência dos seus professores a Naas, continua mantendo no seu ensino de Trabalhos Manuais o fim utilitarista que sempre o caractetizou.
            O método da «Prang Education Company», essencialmente americano, foi influenciado e aperfeiçoado pelas modernas ideias pedagógicas mas apresenta sempre desde os trabalhos iniciais aos trabalhos mais importantes, essa característica bem americana: a utilidade imediata do trabalho realizado.
            O Desenho caracteriza neste método uma base funda­mental.
 
            Os Trabalhos Manuais na Bélgica também têm quase que absolutamente um objectivo profissional.
            Este pais importou do Norte as regras científicas e pe­dagógicas e aplicou-as ao seu ensino industrial.
 
            Na Dinamarca os trabalhos do Sloid foram organizados por Aksel Mikkelsen, discípulo de Salomon.
            O Sloid dinamarquês — o Sloid de Mikkelsen  — não se afasta muito do Sueco nos seus princípios, mas na sua apli­cação afasta-se tanto quanto difere do meio sueco o meio dinamarquês.
            É um belo exemplo de adaptação, que prova que aquele sistema pode dar resultados óptimos em qualquer país, desde que tenha sofrido a necessária acomodação.
 
            A Itália não seguiu desde logo o sistema Sueco. Opôs-lhe mesmo uma certa resistência, criticando-o como uma inova­ção de moda. Mas em curto prazo essa resistência desapare­ceu, devido à obra de Pasquali, que reconheceu nos Traba­lhos Manuais o seu valor, e à fundação, pelo professor Consorti — um particular como na Suécia — de uma Escola Normal de Trabalhos Manuais e educativos em Ripatransone.
            Esta Escola, actualmente do Estado, segue uma norma educativa diferente da do Sloid Sueco. Os exercícios são mais variados. Em Ripatransone o aluno começa os seus trabalhos por exercícos de dobragem em papel branco sobre papel de cor, exercícios de «ritaglio geométrico», — que tivemos ocasião de ver  — e pela série de exercícios de Froebel. Todos os trabalhos são cuidadosamente executados e colecionados pelo aluno.
            No trabalho de Ripatransone, não existe aquele rigor na execução que a Sloid exige. Essa rigidez não é facilmente comportável pelo temperamento latino, mais vivo, mais irrequieto.
 
 
 
            Na Suíça,  os Trabalhos Manuais não são obrigatórios. Há escolas em que só existem os trabalhos Manuais em cartão, há outras em que só se executam em madeira, outras ainda que se dedicam em exclusivo aos trabalhos agrícolas.
            A orientação destas escolas não é a do Sloid nem tem um tipo pedagógico definido. Não há homogeneidade no ensino.
            As razoes são múltiplas: além da diferença entre os carácteres dos vários cantões, esse atraso tem os mesmos motivos que entre nós têm impedido a realização do programa oficial: a falta de professores, as dificuldades orçamentais, a falta de preparação do meio, etc.
 
 
 
 
            Os Trabalhos Manuais tiveram a sua glorificação na Re­volução Francesa, que veio afirmar a obrigação de todo o homem concorrer para a produção colectiva pelo trabalho manual. O  rigor desse princípio chegava a não poderem ser inscritas no registo cívico as pessoas que além de saberem ler e escrever não exercessem «uma profissão mecânica». Era o enobrecimento do trabalho físico, equiparando-o às profissões liberais.
            Já desde o século XVII, mas principalmente depois do século XVIII, se ousava atacar o preconceito antigo que considera aviltante o trabalho manual.
            Esses ataques, pouco intensos, e profícuos só com a Revolução se consolidaram, e, bruscamente, como é lógico, depois dum fenómeno social de tamanha importância, esses princípios apareceram com carácter legal.
            Não se limitaram os adeptos da Revolução a achar di­gno o Trabalho Manual. Foram mais longe, consideraram como ideal humano a capacidade de exercer o trabalho das mãos e o do espírito numa ligação harmónica, numa ligação íntima.
            A sociedade não estava preparada para sofrer de súbito uma transformação tão radical — e tudo ficou em princípios.
            Durante toda a primeira metade do século passado nada se fez no sentido da sua aplicação. Só depois, lenta e progressivamente se começaram em França a realizar aquelas ideias mas ainda só em escolas particulares. Depois dessa experiência é que o Estado se resolveu a admitir o ensino dos Trabalhos Manuais nas escolas oficiais.
            O ensino não tinha bem o carácter educativo que hoje se compreende. Constava duma espécie de aprendizagem acomodada ao meio escolar, que só tinha a vantagem de facilitar e porventura de encurtar a aprendizagem ordinária. O carácter do ensino manteve-se por largo tempo o mesmo. Não se pensa num ensino geral, numa função educativa — não se consegue abstrair do trabalho manual a preocupação utilitária.
            Em 1832 é decretado o ensino manual obrigatório, generalizado por todas as escolas de vários graus, e é com­preendido sensivelmente como hoje, devido à influência de Salicis que já anteriormente, numa escola primária, estabelecera o seu tipo de Trabalhos Manuais Educativos.
            Depois da exposição de 1889 divergiram as opiniões sobre o carácter de execução que deviam tomar os Trabalhos Manuais. Enquanto uns preferiram os trabalhos meramente técnicos e educativos — mais abstractos, mais educativos, mas também mais fastidiosos para o espírito latino — outros pronunciavam-se abertamente pela Escola Belga, pelo Sloid Sueco adaptado à Bélgica, pelo Sistema do trabalho útil. Este sistema, não tão educativo como o sistema puro, o sistema técnico, menos interessante debaixo do ponto de vista pedagógico, não tem todavia a desvantagem que aquele apresenta.
            Leblanc preconiza ecleticamente a reunião dos dois sistemas.
            Pouco se tem progredido em França nos Trabalhos Manuais Educativos. Presentemente parece notar-se uma reacção a esse estacionamento. No presente momento o Parlamento da França discute a organização do ensino secundário. A Academia de Medicina apresentou ao Ministro da Instrução um relatório sobre modificações a introduzir nessa reforma, sendo muito interessante a exposição do Dr. Linossier. Os trabalhos manuais estão incluídos nesse estudo entre outros que mereceram à referida Academia uma criteriosa intervenção na discussão da citada reforma.
 
 
 
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            Os Trabalhos Manual no liceu português estão inteira­mente por organizar. A lei colocou-os no programa, como uma disciplina a mais, como mais um conhecimento útil, sem considerar bem qual é o espirito e a verdadeira utilidade deste ensino.
            Com os programas actuais, a aula de Trabalhos Manuais colocada ao lado das outras, independente delas, como elas o são entre si, somada às outras disciplinas como se fosse um curso a mais de qualquer língua viva ou de qualquer ciência, ensinada isoladamente como até aqui se tem ensinado as várias cadeiras liceais — resulta inteiramente improfícua.
            É preciso, para introduzir os Trabalhos Manuais educa­tivos no nosso liceu, remodelar totalmente a organização do ensino geral. Começar a reforma pela Escola primária, donde os alunos trazem a preparação indispensável, e continuá-la pelo liceu.
            A remodelação aqui tem de ser profunda. Tem de se alterar a estrutura geral da organização do liceu para dar aos Trabalhos Manuais o seu lugar.
            É necessário estabelecer as bases gerais indispensáveis para eles serem proveitosos.
            Só depois dessas bases assentes se deve pensar no mé­todo pedagógico a seguir. E então não se deve adoptar qual­quer tratado dos muitos que existem, para compendio de Trabalhos Manuais; nem importar cegamente um sistema absoluto, notável que seja, como Sloid ou o sistema italiano; mas estudá-los todos, procurar de entre todos regras que harmónicas entre si, harmónicas sejam também com o nosso temperamento e possíveis no nosso meio, considerando as condições psíquicas e físicas do estudante português e não esquecendo que nalguns liceus o ensino é comum aos dois sexos.
            Deve enfim adaptar-se inteligentemente ao nosso País o que se tem feito no estrangeiro, e criar o tipo português de Trabalhos Manuais, um sistema nacional, com possíveis modalidades regionais, bem adequado ao nosso espirito, bem conforme a nossa maneira de ser.
            Esse trabalho, duma enorme importância é indispensável para que os Trabalhos Manuais tenham no nosso Liceu a utilidade que se lhes reclama; mas antes dele, como dissemos, outro há, fundamental a fazer: o estabelecimento de bases sobre as quais assentarão os Trabalhos Manuais no Liceu português.
            Sobre este assunto incide particularmente esta dissertação. Cremos não errar muito considerando fundamentais, indispensáveis e possíveis no nosso meio e no nosso estado pedagógico, as seguintes.
 
— Para orientar todo o pessoal docente e para servir de base, de norma às futuras instalações, é necessário, antes de mais nada estabelecer num dos liceus uma instalação modelo.
            Nessa instalação, por assim dizer o laboratório pedagógico dos Trabalhos Manuais estarão constituídos os elementos fundamentais para os trabalhos em cartão, madeira e me­tal. Haverá dependências especializadas, adaptadas ao ensino experimental das disciplinas várias que constituem o ensino do liceu — afim de se fazer a integração desejada — além de outras com uma fisionomia diferente, de actualidade científica e noticiosa dos progressos pedagógicos.
            É exemplar a instalação do Colégio Militar a que aludimos no início do trabalho.
 
—  Nessa instalação, que ficará sendo o modelo, serão es­tabelecidos também, antes da generalização pelos outros liceus — os tipos de mobiliário e ferramental próprios, atendendo como se disse à evolução do crescimento, considerando as idades porque passa o aluno pelo liceu e a resistência física correspondente.
            Não haverá necessidade de se adoptar a faca usada na escola de Naas nem os instrumentos de Ripatransone. São completamente adaptáveis as ferramentas profissionais por­tuguesas, bastando estudar o seu peso e o seu tamanho proporcionando-as à mão do aluno nas diversas classes.
 
— Deve também ser organizado um museu composto de colecções de trabalhos executados em cartão, madeira, e metal, museu que irá sendo aumentado e melhorado com os trabalhos que sucessivamente se forem fazendo.
            Estas colecções são exclusivamente um guia, uma orienta­ção do ensino e não modelos para copia. Não devem impedir o desenvolvimento que o aluno quiser dar ao trabalho, debaixo da direcção do mestre. Devem ser antes um desper­tador da inteligência e não a sua morte. São assim um educador e propulsor do gosto pelo trabalho, do desejo de in­vestigação e de criação que o aluno nunca teria se o fizessem apenas executar a copia dum modelo, sem que as suas facul­dades de reflexão tiverem ocasião de se manifestar. O aluno não deve só executar; deve criar também.
 
— Para dirigir superiormente os trabalhos, para os orien­tar é necessário recrutar o pessoal docente.
            O mestre, o professor de Trabalhos Manuais tem de ser acima dum bom executante, acima dum bom desenhador, dum técnico manual — um pedagogo. Não precisa de saber dar o exemplo; basta que saiba orientar superiormente os trabalhos, afim de que haja entre as matérias da mesma classe aquela correlação, aquele mutuo entendimento e auxílio que se não dispensam, que são a essência mesma do ensino no liceu.
            Para isso dificilmente poderá ser um técnico. O que é basilar, o que é indispensável é que ele tenha uma cultura sólida e bem orientada, que saiba o que quer, e como o pode fazer realizar.
            Para atingirem esta preparação, os professores deverão ter um ensino colectivo e um tirocínio na Instalação modelo.
            Entre o mestre e os alunos, para os iniciar no manejo das ferramentas e no uso dos instrumentos, existirão os auxiliares, que ao contrario do que sucede com os mestres, bastam que sejam bons técnicos, bons profissionais. Serão três para cada liceu — cada um especializado no seu material — e antes de entrarem nas suas funções de exemplificadores técnicos da ideia do professor, farão como ele um tirocínio na instalação modelo.
 
—  Não deverão ser iniciados os Trabalhos Manuais nos liceus sem estes terem as suas instalações apropriadas, em casa apropriada, com o pessoal e o material completos.
            Doutra forma, sem um ambiente propício, sem condições capazes, é improdutivo o trabalho por maior esforço que haja da parte do mestre.
 
— Os trabalhos femininos serão organizados analoga­mente aos masculinos — substituindo aqueles trabalhos que o organismo feminino não suporta por outros estritamente do seu sexo, que ainda que se desenvolvam em varias especializações não deverão ter — como os trabalhos masculinos não terão qualquer carácter profissional.
 
— Na sede da instalação modelo serão realizadas conferências.
            Estas conferências que versarão exclusivamente sobre tra­balhos manuais educativos terão por fim infiltrar nos que o não têm, e afirmar nos que já o possuem, o sentido dos Trabalhos Manuais na Escola. Não são só o mestre e os auxiliares que devem influir nos trabalhos. É necessário que todos sintam a vantagem e a manifesta utilidade do ensino manual. Para criar esse ambiente de colaboração, o melhor processo são conferências, com a assistência dos professores das outras disciplinas, umas, e outras exclusivamente destinadas aos discípulos.
            Só assim serão verdadeiramente profícuos os trabalhos manuais nos liceus; porque só assim concorrerão para que o ensino tenha o espírito de unidade indispensável que faz parte intrínseca de toda a instrução geral, e particularmente da secundária.
 
 
 
 
            Seguidas e aplicadas rigorosamente estas bases e estudado com inteligência o método pedagógico a seguir, podem os Trabalhos Manuais entrar no Liceu e dar ao ensino o auxílio valiosíssimo de que são susceptíveis.
            Antes disso, sem preparação do meio, os Trabalhos Manuais poderiam quando muito ajudar aparatosamente alguma «exposição escolar» atraente e brilhante para os leigos mas só confrangedora para quem a visse com olhos de ver.
 
 
 
 
            Por último diremos que a unidade do ensino do Desenho e a definida compreensão do seu alcance, difícil de orientar no Ensino Secundário dando ao professor qualidades com­plexas para a sua predominante acção nos Trabalhos Manuais, é sobre tudo o ponto essencial para que este ensino ocupe o lugar que deve ter.
 
 
            O desenho é a base do ensino dos Trabalhos Manuais e só ele constitui o regulador necessário para que aqueles possam exercer a sua perfeita missão educativa.